O governo federal autorizou o Banco do Brasil, no dia 25 de outubro último, a elevar a participação estrangeira em seu capital. Nos últimos sete anos, é a terceira vez que o governo federal toma essa decisão. Em maio de 2006, passou de 5,6% para 12,5%; em setembro de 2009, de 12,5% para 20% e, agora, de 20% para 30%. Até a recente decisão, a participação de capital estrangeiro no BB estava no limite; ou seja, 19,97%. O governo federal, o Tesouro e a Previ detêm hoje quase 70% das ações do BB; em circulação, 30,2%.
Quais os impactos dessa medida? O que pretende o governo federal? Compromete as estratégias, os investimentos e as politicas do BB? Ameaça o seu papel de agente financeiro público, voltado para o crescimento econômico e social do país? Como ficam as condições de trabalho e emprego?
Para entender o que representa esse aumento da participação de capital estrangeiro no BB, o jornal O Bancário entrevistou dois economistas: Maria Alejandra Madi, vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil e conselheira do Conselho Regional de Economia (SP); e Licio da Costa Raimundo, coordenador do curso de Relações Internacionais da Facamp (Campinas).
Para o presidente do Sindicato, Jeferson Boava, é fundamental compreender esse movimento, qual o papel que o governo federal reserva para o Banco do Brasil. “O avanço do capital estrangeiro no BB aponta para um caminho inverso ao proposto pelo movimento sindical bancário. Os funcionários, em seu último Congresso Nacional, realizado entre os dias 17 e 19 de maio deste ano, aprovaram como bandeira de luta ‘um Banco do Brasil 100% estatal e com função pública’. Ou seja, que financie a produção, promova o desenvolvimento social e se afaste da competição ‘voraz’ do mercado financeiro”.
Propostas do 24º Congresso do BB
- Um Banco do Brasil 100% estatal e com função pública. Não à sua atuação como Banco comercial. Um Banco controlado e administrado pelos trabalhadores.
- O Banco do Brasil deve resgatar seu papel de banco público, financiando a produção e promovendo desenvolvimento social e se afastando da competição voraz do mercado financeiro.
- Fortalecer a instituição para transformá-la em instrumento público para moderar e regular o mercado através da redução de juro e tarifas.
Confira a seguir o que dizem os economistas Maria Alejandra Madi e Licio da Costa Raimundo.
Decisão do governo pretende ampliar a liquidez dos papéis. Para o mercado de ações é uma boa notícia. E não compromete em nada as estratégias do Banco do Brasil, destaca o economista Licio da Costa Raimundo, coordenador do curso de Relações Internacionais da Facamp (Campinas).
Medida coloca em discussão as pressões de curto prazo por aumento de rentabilidade, que impactam na relação capital-trabalho, analisa a economista Maria Alejandra Madi, vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil e conselheira do Conselho Regional de Economia (SP).
Entrevista: Maria Alejandra Madi e Licio da Costa Raimundo
O Bancário: O governo federal autorizou o Banco do Brasil, recentemente, a elevar de
20% para 30% a participação estrangeira no seu capital. É a terceira vez que
o governo federal toma essa decisão no período de sete anos. Em maio de
2006, a participação estrangeira passou de 5,6% para 12,5%; em setembro de
2009, de 12,5% para 20%. Segundo os jornais, a participação estrangeira hoje
no BB está em 19,97%; o percentual de ações do Banco em circulação é 30,2%.
Diante dessa decisão, o que pretende o governo federal?
Maria Alejandra Madi: A recente autorização do governo federal representa, em verdade, um novo exemplo do aprofundamento da integração econômica do Brasil na globalização liderada pelo capital financeiro. Nos anos 2000, explicita-se o tipo de integração do Brasil que favorece a exportação de commodities, a desestruturação de cadeias produtivas industriais e a expansão do setor de serviços, em especial de serviços financeiros. Este cenário resulta em problemas macroeconômicos, num deficit em conta corrente no balanço de pagamentos brasileiro que tem que ser financiado pela atração de capitais internacionais. A volatilidade cambial decorre desse quadro de mobilidade de fluxos de capital, das reações de investidores e das ações do Banco Central.
A experiência recente do BB quanto à expansão no mercado de crédito e aos indicadores de rentabilidade tornou o Banco uma “boa” empresa na avaliação de investidores globais que buscam ganhos diferenciais para as suas carteiras de ações. Por outro lado, tais investidores buscam minimizar riscos, fato que, na sua avaliação, estaria garantido pela presença do governo brasileiro como acionista majoritário.
Outra questão correlata à autorização da elevação do percentual de participação dos estrangeiros no capital do BB envolve as atuais exigências de capitalização no contexto do Acordo de Basiléia. Dentro da lógica desse Acordo, o capital do Banco tem que ser ajustado ao risco (crédito, mercado, operacional), considerando também índices de liquidez e indicadores de alavancagem. No contexto atual da economia brasileira, para manter o ritmo de crescimento dos ativos com “boa” gestão integrada de riscos microeconômicos, o BB precisa aumentar o capital e também melhorar a qualidade da sua composição.
Dessa forma, para o entendimento da recente autorização do governo federal precisamos articular as questões da “boa governança” a questões macroeconômicas e também a questões microeconômicas.
Lício da Costa Raimundo: No meu entender, ao ampliar o volume de ações em circulação (free float) que podem ser adquiridas por estrangeiros o Governo Federal pretende ampliar a liquidez dos papéis, o faz com que a cotação de sua ação em bolsa passe a refletir mais fielmente o sentimento de mercado sobre sua governança e sua decisões relativas à gestão. Para o Banco não é uma medida necessariamente ruim ou boa. Para o mercado de ações, sim, trata-se de uma boa notícia pois quanto maior o número de ações de alta liquidez houver, melhor para a segurança e credibilidade do mercado.
O Bancário: Qual o impacto da entrada de mais capital estrangeiro no Banco do Brasil, uma importante instituição financeira pública, que já teve atuação anticíclica em 2008 e, mais recentemente, junto com a Caixa Federal, contribuiu para redução das taxa de juros e do spread bancário? A decisão compromete as estratégias, investimentos e políticas do Banco do Brasil, que tem quase 70% das ações em poder do governo, Tesouro e Previ (fundo de pensão dos funcionários)? Ameaça sua atuação voltada para o desenvolvimento econômico do país?
Maria Alejandra Madi: Tal questão vai depender do padrão de governança (corporate governance) do BB enquanto empresa com ações negociadas em mercado. O avanço da participação de estrangeiros coloca em discussão as pressões de curto prazo por aumento de rentabilidade, os acordos de acionistas, as regras de saída, entre outras questões que impactam a relação capital-trabalho. Assim, as mudanças no nível de emprego e das condições de trabalho não estão dissociadas deste movimento.
Sob o impacto da crise, nas políticas anticíclicas, o governo federal defendeu a expansão do mercado de crédito das pessoas físicas. No atual conjuntura, o aumento da participação estrangeira por ações do BB pode explicitar, de maneira clara, novas pressões de curto prazo dos acionistas pela rentabilidade da empresa. Tais pressões certamente envolvem desafios para cumprir, simultaneamente, o papel social do Banco e as expectativas de rentabilidade do capital globalizado.
Muitas vezes já colocamos em discussão no Sindicato dos Bancários de Campinas a assim chamada “lógica de curto prazo do acionista” no contexto da financeirização. Nesse sentido, cabe lembrar que se os resultados recentes quanto ao ritmo de crescimento do mercado de crédito e da inclusão bancária não se repetirem no futuro próximo, o novo cenário poderá colocar pressões adicionais sobre a gestão da empresa para o cumprimento das “expectativas de curto prazo” dos eventuais novos acionistas do BB.
Licio da Costa Raimundo: A decisão não compromete em nada as estratégias do Banco. Mesmo que os estrangeiros tivessem até 49% das ações (ordinárias) do BB, nada mudaria, pois o controle da empresa continuaria nas mãos do governo federal, com os restantes 51% das ações. Manda na empresa quem tem 50% mais uma das ações com direito a voto, que são as ações ordinárias. Os demais, sobretudo quando fragmentados, nada influenciam nas decisões estratégicas da empresa.